Mar calmo nunca fez bom marinheiro

Empreender tem muito de navegar. Arrumar o próprio barco, recrutar a tripulação mais preparada, saborear o vento, ajustar as velas e deixar o porto seguro rumo ao desconhecido; são inúmeras as analogias que podem ser feitas entre as duas atividades. O que não é de se estranhar, já que o objetivo de ambas é desbravar territórios em busca de novas oportunidades.
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Para o incansável Jaime de Paula, não sobra muito tempo para refletir sobre essas semelhanças. Mas, quando conhecemos a história do homem no comando da Neoway – uma empresa que praticamente inaugurou o nicho de mercado em que atua –, é impossível não pensar naqueles que se aventuram no mar. Na verdade, o próprio Jaime faz a associação, já que se refere à organização como “uma frota de barcos viking”. E a história a seguir mostra como a comparação é oportuna.
Os feitiços da Ilha da Magia
A relação entre Jaime e o mar vem de longa data. Começa em Florianópolis – coincidentemente, hoje considerada a cidade mais empreendedora do país; terra natal do empreendedor, a Ilha da Magia parece ter feito valer o apelido. Lançou desde cedo seus encantamentos sobre um jovem inquieto e de olhar obstinado, que vasculhava o oceano e o horizonte em busca de algo além das belas paisagens naturais da cidade.
No centro dessa busca, a tecnologia. “Em minha vida e minha carreira, sempre segui na área tecnológica”, afirma, convicto. Assim, ingressou em 1979 no curso de engenharia elétrica da UFSC (os de ciência da computação e TI sequer existiam na época).
Logo no segundo ano de estudos, Jaime já fazia parte da equipe de desenvolvimento de softwares de uma empresa pública de processamento de dados. O futuro era imensamente promissor – tão vasto quanto o campo de tecnologia da informação que o mercado estava apenas começando a explorar. A carreira se provou meteórica, e não demorou para que ele fosse de marujo a imediato: em poucos anos, ocupava o posto de Chief Information Officer (CIO) de grandes empresas, como Perdigão e Cecrisa.
A paixão por tecnologia não se restringia à área profissional. Aproveitando-se do fato de que, desde aquela época, a UFSC já estimulava a aproximação entre conhecimento e prática, Jaime empreendeu primeiro um mestrado, e depois um doutorado, na área de Mídia e Conhecimento. Naquele momento, a pesquisa orbitava conceitos como Data Warehouse e Data Market; a ideia de Big Data nem dava sinais de aparecer.
O salto do robô
Foram os resultados dessa pesquisa acadêmica que o levaram ao primeiro grande salto. Em parceria com a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, Jaime e seus colegas aplicavam modelos de integração entre diversas bases de dados. Desse processo, nasceu um produto batizado “investigador virtual”, um robô que conseguia ler todos os relatórios de um sistema e identificar padrões entre as ocorrências – o que ajudava a encontrar criminosos.
MAS O SALTO, NA VERDADE, COMEÇOU COM UM PULO NOS EUA, ONDE A POLÍCIA DE NOVA IORQUE REALIZAVA UM INTERCÂMBIO DE IDEIAS COM A DE SÃO PAULO.
O ano era 2002; Jaime e sua equipe receberam um convite para apresentar o investigador virtual no evento. E, como não é raro acontecer nestes casos, as conversas durante o cafezinho mudaram tudo.
Pois foi durante uma delas que ele travou contato com James Onalfo. Neste experiente executivo da área de TI, Jaime descobriu afinidades que iam além do nome – Onalfo havia sido CIO da Kraft Foods, do mesmo ramo da Perdigão. E acabou por ouvir um desses conselhos inestimáveis, que podem revolucionar a vida de um empreendedor – desde que ele esteja com o radar ativado.
“Jaime, você quer crescer de verdade?”, disse Onalfo, aproximando-se e baixando a voz. “Então saia da área de segurança. O Brasil é um país continental, e tem muita gente querendo investir lá. Mas vocês não têm uma base de informações como a que existe aqui nos EUA”. Nem teria sido preciso concluir a frase; Jaime imediatamente identificou a oportunidade.
Desbravando o Big Data
De volta ao Brasil, resolveu arriscar. Reorientou a pesquisa de seu doutorado e, em consequência, a própria carreira, ao se aventurar por um novo oceano: o do Big Data. Passou a esquadrinhar todas as bases públicas existentes no país, de modo a dar uso inteligente aos milhões e milhões de dados disponibilizados diariamente.
“Onde existe mercado? Onde o mercado está crescendo, e onde está diminuindo? Quais são as variações?”; era a perguntas como essas, feitas por dez entre dez empresários, que Jaime queria responder com a plataforma que estava desenvolvendo – de forma mais ágil, barata e eficiente do que pesquisas e outros métodos de análise.
Era um tremendo desafio. Mas aí entra a disposição que é indispensável às grandes façanhas do empreendedorismo. Dedicando-se pessoal, profissional e academicamente ao trabalho, Jaime resolveu fazer disso um negócio. E acabou criando a Neoway, ainda em 2002. O propósito era claro: combinar inteligência tecnológica e inteligência de mercado em soluções que melhorassem o desempenho econômico e organizacional.
“Terra à vista!”
O pitch da Neoway era inédito por estes trópicos e, por isso, logo chamou a atenção de grandes corporações. A primeira delas foi a maior empresa de cerâmica do país, a Portobello.
Em 2009, procuraram Jaime com uma demanda específica: realizar uma análise aprofundada do mercado de longo prazo. A partir de então, a Neoway passou a mapear obras pelo país para que a empresa pudesse planejar vendas com mais precisão. E os resultados foram incontestáveis: tanto a área de engenharia quanto a de varejo apresentaram crescimento expressivo (respectivamente, 40% e 30%). “Foi um passo muito importante para a consolidação da Neoway”, afirma.
As tempestades pelo caminho
Não foi uma navegação tranquila. Jaime de Paula explorava novas regiões, onde nem tudo eram mar manso e céu de brigadeiro. Havia tormentas, ventanias, ondas gigantescas e outros perigos.
Um dos maiores era o recrutamento. Afinal, como costuma acontecer nessas jornadas rumo ao desconhecido, não é fácil encontrar quem esteja à altura da tarefa. Principalmente em meados de 2009, quando novos clientes passaram a bater na porta da Neoway em busca de soluções para melhorar a gestão de suas informações.
“Se nós precisássemos de um profissional sênior, não adiantava”, revela Jaime, não sem alguma aflição, “Não encontrávamos. A saída era contratar um trainee e formá-lo”. O empreendedor se lembra de como, na época, suava sangue para montar uma equipe de meia dúzia de pessoas – não haveria a menor possibilidade de encontrar um sétimo componente, caso necessário.
Outro desafio era o próprio perfil do capitão da Neoway. Engenheiro nato, Jaime sempre dedicou atenção total ao desenvolvimento das soluções da empresa, e nem tanto à forma como seriam vendidas.
A PLATAFORMA FUNCIONAVA MARAVILHOSAMENTE, MAS… NINGUÉM, OU QUASE NINGUÉM SABIA DISSO.
Ou seja, em dado momento, o empreendedor percebeu que precisava urgentemente de uma área comercial. E mais uma vez esbarrou na questão de gente. Era muito difícil encontrar não apenas profissionais preparados para vender as soluções da Neoway, mas dispostos a “entrar na esteira já a 15 quilômetros por hora”, como Jaime define o ritmo da empresa. “Tem que pular e correr, se não vai cair”.
O desafio qualificado como motivação
A saída para compor o time passou por uma estratégia central: investir na formação de jovens talentos. Com um modelo de gestão inovador, baseado em meritocracia e remuneração variável, Jaime conseguiu formar uma tripulação com as qualidades que queria a bordo. Alguém aí pensou em disposição e superação? Pois é, tudo isso, combinado com obsessão por novidades e desafios.
O desafio qualificado, aliás, é o que mantém a moçada na pilha – e o barco a todo vapor. “Aqui, ninguém pode reclamar de monotonia”, diz, satisfeito. A psicologia reversa faz maravilhas na Neoway. “É só dizer: ‘isso aqui ninguém vai conseguir fazer’, que aparece sempre alguém para resolver. Pode ser que fique três finais de semana trancado numa sala, mas entrega pronto, todo feliz”.
Na companhia de quem conhece o mar
Superados os gargalos iniciais, a Neoway passou a crescer exponencialmente. Em 2012, Jaime se tornou Empreendedor Endeavor – acontecimento que ele considera como outro importante passo em sua trajetória. Até pela forma como aconteceu: na hora de apresentar o projeto no processo de seleção, o empreendedor quebrou o protocolo – em vez de um arquivo em Powerpoint, apresentou o próprio software da empresa.
Os conselheiros presentes, então, encheram-no de perguntas sobre o funcionamento da solução. Logo ficou claro que eles queriam usá-la em suas próprias empresas e se tornarem clientes da Neoway. Até que Laércio Cosentino, da Totvs, parou, pensou e concluiu:
“BOM, PARECE QUE VOCÊ ESTÁ APROVADO, NÃO?”
O próprio Laércio foi o escolhido por Jaime como mentor, ao lado de Martin Escobari, executivo da Gerenal Atlantic LLC. Os dois se sentaram com o empreendedor durante longas reuniões – nove horas no total, ele calcula – para ajudá-lo a contornar outro obstáculo: o plano comercial. “Isso não tem preço. Como é que você vai contratar um mentor chamado Laércio Cosentino ou Martin Escobari?”.
Hoje, a área comercial deixou de ser um problema para se transformar em propulsora do crescimento da empresa, com canais de venda pela internet, estratégias de upselling, e outras iniciativas.
A frota viking rumo a novos continentes
Por falar em crescimento, o mundo (não) é o limite. No comando de cerca de 300 funcionários e mais de 150 engenheiros de software, Jaime estruturou uma dinâmica interna baseada em sinergia e motivação. Com isso, pode sonhar, e sonhar grande. “Hoje, temos nove barcos vikings navegando em conjunto. Cada um com suas próprias missões, mas todos conectados, rumo aos mesmos objetivos”.
Quais objetivos? “A América Latina. Temos cinco clientes, em cinco países, que viabilizaram esses planos. E abriu também uma janela nos Estados Unidos. Vamos desembarcar lá para ver o que acontece”, diz, com o mesmo olhar que ia longe e atravessava as belezas de Floripa.
Mas isso é para agora. Porque, para o médio prazo, o sonho grande é um IPO – a abertura de capital da empresa por meio de ações negociadas na bolsa.
Aposentadoria relâmpago
Quando perguntado sobre eventuais planos para se aposentar, Jaime é categórico:
“ISSO NÃO É PARA MIM. NÃO TENHO CABEÇA DE APOSENTADO”.
E ele afirma com propriedade, já que, não faz muito tempo, constatou que a Neoway estava bem encaminhada e resolveu se retirar da cabine de comando: “Vou para Miami jogar golfe”. Deixou um Chief Operating Officer no timão, e partiu.
Voltou duas semanas depois, cansado da aposentadoria.
Pudera. Porque, embora responsável por um notável case de sucesso – ou talvez por isso mesmo –, Jaime continua exatamente o mesmo. A disposição, a inquietação e a superação de anos atrás não retrocederam um milímetro sequer. Pelo contrário: cercado por uma tripulação incansável e estimulada (a média de idade na Neoway é de 26 anos), e sempre atento às oportunidades no horizonte, o empreendedor conduz a frota em um ritmo de crescimento médio de 50% ao ano – em 2016, mesmo com ventos desfavoráveis, a taxa prevista é de 70%.
Ou seja, segue firme na cabine de comando, rumo ao seu próprio destino. E não dá sinal algum de que vá baixar a âncora.
Fonte: Endeavor

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