História de um vencedor: trajetória de João Naves
Um menino da fazenda, sem estudo ou condições financeiras, acabou se transformando em um dos maiores empresários do país. Até criar a RTE Rodonaves, João Naves encontrou muitas dificuldades pelo caminho. Superou cada uma delas com seu jeito simples. Perceptivo e ousado, enxergou uma oportunidade no mercado, criou um sistema diferenciado para o transporte de cargas, atraiu clientes pela qualidade dos serviços, ultrapassou limitações, registrou cifras respeitáveis e conquistou inúmeros prêmios.
Mesmo com todos esses pontos positivos, o que mais chama a atenção na carreira de João é o seu talento para se relacionar com o próximo, uma conexão baseada em sua educação, com valores e princípios sólidos, juntamente com uma boa dose de carisma. De forma natural, sem imposição, tornou-se líder ao descobrir sua habilidade para incentivar e mobilizar um grande número de pessoas para lutar por um mesmo objetivo: prosperar através do trabalho. Essa história serve de exemplo e de inspiração para muitas pessoas, inclusive para Marco Meda, que trabalha como coach, profissional especializado em desenvolver potenciais e treinar líderes. Neste bate-papo promovido pela Revide e acompanhado pela jornalista Paula Zuliani, os dois falam sobre a vida, a família e os negócios.
Meda: Por que você construiu o seu negócio pautado em valores pessoais como, por exemplo, ética, honestidade, transparência, perseverança, solidariedade e família?
João: Tudo foi construído de acordo com a minha criação. Aprendi muito com os meus avós, pais e irmãos, já que sou o caçula de sete filhos. Crescemos na fazenda, com poucos recursos e enfrentando dificuldades. Porém, uma coisa nunca faltou: educação. Tínhamos valores, princípios fortes, passados de geração em geração. Desde pequeno, já observava isso. Meus pais eram enérgicos, mas tinham um enorme coração. Dentro das limitações, davam amor, carinho, atenção e nos mostravam o caminho certo a seguir, baseado na retidão e no respeito. A religiosidade também era levada a sério. Estender a mão ao próximo era um dever e todos eram merecedores da nossa confiança. Naquele tempo, chegava gente na fazenda pedindo trabalho em troca de comida. O meu pai atendia e colocava completos desconhecidos dentro de casa. Tudo funcionava sem problemas. Nunca vou me esquecer do dia em que o almoço estava totalmente dividido entre a família e um homem bateu à porta, faminto. Não havia sobras. Minha mãe pegou uma colher e tirou um pouquinho de cada um de nós e fez um novo prato. Quando vi a situação, questionei: “mãe, você deu mais comida pra ele do que pra nós”. Ela me respondeu: “O que a gente doa não nos faz falta”. Foram situações como essa que me definiram como pessoa e, consequentemente, norteiam o meu trabalho. Para compreender o que sou hoje é preciso olhar para o passado.
Meda: Ao estudar a Neurociência, notamos que a criança e o jovem realmente são frutos do meio em que vivem e adquirem fortes crenças e valores dos seus pais. O exemplo é fundamental para a formação do indivíduo. Quando você olha para trás, vê-se parecido com os seus pais?
João: Sim, e muito. Com três anos, já era incentivado por eles a acompanhar meus irmãos no serviço para aprender a importância do trabalho. Meu pai não tinha saúde para pegar no pesado. Talvez por isso, era um excelente negociador. Comprava ovos, esperava os pintinhos nascer, crescer e os vendia. Um dia ganhei uma galinha, levei para casa e fiz a mesma coisa. Depois utilizei a técnica com uma leitoa. Como via isso acontecendo constantemente ao meu redor, apliquei na vida de forma natural. Minha mãe também me ensinou muito, mas morreu quando eu tinha 14 anos. Foi uma dura lição. Tinha que cozinhar, limpar e passar roupa, além das atividades na fazenda. Tinha que dar conta e isso fortaleceu ainda mais a relação com o meu pai.
Meda: Como foi quando você teve que deixá-lo?
João: Foi um dos momentos mais difíceis pelo qual já passei. Abdiquei da minha juventude para cuidar dele. Não passeava, não curtia com os amigos, não namorava. Meu tempo livre era para ele. Formamos uma parceria. Ouvíamos moda de viola no radinho, cantávamos, conversávamos por horas e horas. Sabia da minha responsabilidade. Quando fiz 19 anos, ele viu que eu não teria futuro se continuasse ali. Então, disse que eu deveria vir para Ribeirão Preto, dando o dinheiro apenas para a passagem de ida. Não havia quantidade suficiente para a volta. Fiquei desesperado. Chorei muito, mas aceitei sua decisão. Cheguei à cidade com a roupa do corpo e uma mala. Uma tia minha ficou cuidando dele.
Meda: Qual foi a palavra de ordem dele para você?
João: Ele falou: “um centavo abençoado por Deus é muito dinheiro. Sem Ele, nada que você ganhe vai valer alguma coisa. Se você for honesto, será um vencedor”.
Meda: Foi assustador chegar à cidade?
João: Claro. Não estava acostumado com tanto movimento. A situação que encontrei na casa da minha irmã, com quem iria morar, também não foi boa. Meu cunhado estava desempregado e a família, passando fome. Em 15 dias, arrumei um emprego para vender passagens de ônibus. Morava perto do Cemitério da Saudade e tinha que ir a pé até a rodoviária. Não sabia o caminho, ficava perdido e tinha vergonha de perguntar. Trabalhava das 5h às 20h30. Ganhava um salário mínimo, não tinha folga, férias ou 13º salário. Foi difícil. O fator que me motivava era ajudar a minha irmã. Assim foi por um ano e meio.
Meda: No momento em que você estava vendendo passagens, ajudando sua irmã e crescendo aos poucos, já planejava algo para o futuro? Pensava que seria um empresário?
João: De jeito nenhum. Como eu poderia sonhar em ser alguém se eu não tinha estudo? Na fazenda, frequentei a escola apenas por três anos, dos sete aos dez. Tinha boas notas, mas era pouco para ousar pensar grande. O foco naquele momento era ser cada vez melhor no trabalho e, para isso, tinha que me relacionar bem com as pessoas. E isso eu sabia fazer. Conquistei muitos clientes. Era um vendedor nato e isso chamou a atenção de um empresário importante que, na década de 60, acabava de inaugurar a primeira empresa concorrente da Viação Cometa, a Rápido Ribeirão. Os guichês eram lado a lado e ele me via em ação diariamente. O convite para integrar a equipe não demorou muito. Aí sim vi uma oportunidade. Senti meu trabalho valorizado e que era capaz de fazer mais. Teria que me mudar para São Paulo, mas o salário era bem maior, com moradia e alimentação por conta da empresa. Com certeza valia a pena e eu aceitei o desafio. Mesmo assim, ainda não imaginava que um dia seria empreendedor.
Meda: Como foi a sua vida em São Paulo?
João: Tive medo porque falavam que era uma cidade perigosa. Estava com apenas 21 anos e tive que me virar. Muitas coisas eu não sabia fazer, como dar nó na gravata, item obrigatório no novo serviço. Pedi para uma pessoa me explicar como fazer e ela respondeu: “aqui é cada um por si”. Fiquei chateado, fui para frente do espelho e comecei uma série de tentativas. No final, quando voltei para a sala, essa pessoa ficou impressionada com o resultado e perguntou quem tinha me ensinado. Na hora, respondi: “a necessidade e a sua boa vontade”. Não sei se é o jeito certo, mas faço esse nó até hoje e todo mundo acha bonito. Lá estava eu, vendendo passagens em São Paulo. Oferecia um atendimento diferenciado, privilegiava idosos e mulheres gestantes ou com crianças pequenas, cuidava das malas e, com isso, o número de passageiros só aumentava. Alguns deles até me ligavam para reservar lugares no veículo. O relacionamento ajudou demais. Eu vendia tudo, sempre. Foram três anos muito positivos na minha vida. Foi quando a Cometa fez uma proposta ainda mais interessante: eu ia cuidar de uma linha bem concorrida, que saía para o Rio de Janeiro a cada cinco minutos. Meus primeiros clientes foram os protagonistas da novela ‘Irmãos Coragem’, incluindo Tarcísio Meira e Gloria Menezes. Foi sensacional. Fiquei lá por mais dois anos, até que um gerente me chamou para voltar para Ribeirão Preto e o que eu mais queria era retornar para casa. Por questões salariais, o sindicato não permitiu a transferência. A empresa aceitou dar baixa na minha carteira e me recontratou por aqui. Quando vi, estava de volta à rodoviária. Só que agora, no papel contrário. Precisar retomar os clientes que tinha levado para a Rápido Ribeirão e trazer para a Cometa. As pessoas me reconheciam, vinham falar comigo e logo eu as convencia a viajar conosco. Assim ganhei confiança de que qualquer coisa que eu fizesse daria certo.
Meda: O transporte, então, já fazia parte da sua rotina. Você era um profundo conhecedor do meio e havia construído uma carreira de sucesso na empresa. O que te levou a sair para ter seu próprio negócio?
João: Nessa época em que estava na Cometa, já tinha o desejo de me tornar empresário, mas não exatamente naquele momento. Antes de investir, precisava me estruturar, pesquisar o mercado e levantar informações de logística, valores, segurança, volume de pacotes, entre outras. Foi assim que descobri que a área mais carente de serviços era a de frete. Muita gente levava mercadorias até a rodoviária para serem entregues pelo ônibus em outras cidades. Nenhuma empresa trabalhava especificamente nesse ramo. Pensei que se um dia decidisse abrir um negócio próprio, seria para atender a essa demanda reprimida. Esta era apenas uma ideia, já que tinha família para sustentar e o suporte de um bom emprego. Aí a vida deu um empurrãozinho. Um dos gerentes roubou os cofres da empresa e a diretoria, quando descobriu, optou por demitir todos os funcionários. O gerente argumentou que a responsabilidade era apenas dele e, inclusive, disse que eu seria a pessoa mais indicada e preparada para assumir a vaga, mas não houve acordo. Tudo estava desmoronando e me deparei com o desespero. Sem outra saída, adiantei meus planos. Aluguei um box na rodoviária e passei a trabalhar como um intermediário na entrega de mercadorias. Os clientes deixavam o material comigo e eu colocava no ônibus. As notícias se espalharam e o meu serviço foi ficando conhecido.
Meda: Foi assim que surgiu a RTE Rodonaves?
João: Sim. Como os negócios iam bem, pensei em expandir. Comprei uma bicicleta para oferecer o transporte. Ia até o cliente, coletava os pacotes, trazia para o box e embarcava no ônibus. A renda foi aumentando e, com isso, consegui adquirir uma Kombi, para ter uma área de atuação mais abrangente. Assim, a empresa foi ganhando forma. Contratei os primeiros colaboradores e fazia tudo certinho porque uma das minhas grandes preocupações era dar às pessoas que trabalhavam comigo o que eu não tive por muito tempo: direitos respeitados, carga horária estabelecida, carteira assinada e salário digno. O lucro era limitado, mas o dividíamos de forma justa. Com as notas chegando sem parar, vi que não valia a pena pagar taxas para o ônibus. Compensava ir até a cidade e entregar os pacotes nas mãos do destinatário. Mais uma vez, fui falar com os clientes para checar se minha ideia era pertinente. Eles adoraram. Alguns municípios se destacavam no número de pedidos: Franca, Uberaba e São José do Rio Preto. Fazia os três no mesmo dia. Era uma loucura. Até hoje não sei como conseguia. A partir daí, não parei mais.
Meda: Você cresceu e trouxe as pessoas que estavam ao seu lado com você. Conheço vários personagens dessa época que se tornaram gerentes, diretores e agora conduzem uma franquia da Rodonaves. É emocionante acompanhar essas trajetórias?
João: Com certeza. A maioria começou o trabalho na garagem da casa, com muita simplicidade. Tivemos até entrega com charrete. Nunca me importei com isso. Se o interessado falasse que iria conduzir os negócios do meu jeito, estava dentro. Confiava em boas intenções e isso não me gerava problemas. Com esse modo aberto de operação, a empresa se tornava parte da vida daquelas pessoas. Elas queriam o sucesso da transportadora porque essa era uma conquista do grupo. O dinheiro nunca foi o objetivo. Ele foi, e ainda é, consequência. O que tenho de mais valioso na minha empresa são as pessoas. Isso me enche de alegria. Atualmente, as normas, os procedimentos e as regras estão escritas, existe uma hierarquia que, na verdade, custo a aceitar, mas sei que é o necessário. Uma empresa desse tamanho precisa de controle.
Meda: E qual é o tamanho dessa empresa?
João: Faremos 33 anos. Contamos com uma média de 4.200 funcionários diretos e 2.000 agregados. São 800 veículos próprios e 700 agregados, percorrendo milhares de quilômetros por dia. Estamos presentes em sete estados, além do Distrito Federal, atendendo mais de 2.000 cidades.
Meda: Como você enxerga o futuro?
João: Está difícil entender o mercado. O governo transferiu toda a responsabilidade para os empresários, elevando os custos, além de cobrar impostos bem altos, dificuldades que vamos contornando. Não sei como vai ser o futuro, mas não penso em desistir. Sei que inúmeras famílias dependem dessa empresa. Tem muita paixão envolvida porque cada um que está aqui contribuiu para sermos o que somos hoje. Isso forma um vínculo muito forte. Essa filosofia familiar do início foi mantida: sou próximo, dou a mão, pergunto como foi o dia, ajudo no que for possível, mas também cobro resultados. Não é justo que um se acomode e o outro trabalhe por ele. Ninguém tem o direito de se sobrepor ao outro.
Meda: Qual sua grande dica para os líderes que estão no mercado?
João: Constantemente me chamam para ministrar palestras sobre o assunto. Não tenho metodologia para ensinar. Uso a minha história como exemplo. Portanto, a dica é: faça o que você goste e ponha amor nisso. Nutra bons relacionamentos com todos: fornecedores, colaboradores e clientes. Seja educado, cordial, mesmo que não haja uma reciprocidade no início. Quando a pessoa sente que está sendo bem tratada, com o tempo, acaba se tornando mais gentil. Um líder não pode ter o nariz empinado. Tem que tratar as pessoas por igual, olhar e entender o próximo, já que cada pessoa tem o seu papel. Essa visão global é essencial. Tenho um tripé no qual me baseio: fé, família e trabalho. Com isso, conseguimos alcançar qualquer objetivo. Basta ter competência e força de vontade. Os obstáculos vão aparecer, mas é preciso perseverança para superá-los. Sem desânimo, sem desistir.
Um líder de coração
“Quando recebi o convite da Revide, pensei em escolher alguém especial, que pudesse realmente nos trazer uma entrevista interessante. Como coach, precisava escolher uma pessoa que desse verdadeiros exemplos de uma liderança simples, porém completa, verdadeira e servidora. Assim, o nome João Naves apareceu de forma natural. Minha admiração por ele é gigante. Unindo talento, coração e simplicidade, esse empresário se tornou um líder corporativo altamente respeitado e capaz de conduzir equipes em busca de resultados além do esperado. Tudo pautado pelo exemplo e em valores como família e honestidade. Com uma trajetória marcada por desafios, poderia ter desistido de seus sonhos. Porém, o foco em desenvolver pessoas e apoiar o crescimento de famílias com o seu trabalho foi mais forte: o fez continuar e fez dele um dirigente diferenciado.”
Marco Meda, coach, escritor e palestrante
Fonte: Marco Meda, Saiba Já
Que lição de vida! Uma história que envolve superação, determinação e visão de foco. Que nos ensina que nunca devemos desistir de nossos objetivos. Não importa o que aconteça na trajetória, pois barreiras sempre encontraremos, sejam elas físicas ou/e emocionais. Como também, pessoas que julgam utópicos os nossos sonhos. Então, o que ele nos ensina é: olhar para o objetivo, focar nele e seguir com confiança, mantendo-se em constante movimento e crendo que vai conseguir. Foi o que aconteceu com ele. Parabéns!
Eu até me animei para avançar em busca da realização de um sonho que está engavetado. Obrigada!