Donos do Spoleto faliram várias vezes, mas hoje possuem 600 lojas

Em 1997, os cariocas Eduardo Ourivio e Mario Chady estavam, para dizer o mínimo, enrascados. Até ali, a dupla inaugurara seis empreendimentos gastronômicos, entre eles o sofisticado restaurante Guilhermina Café, no Rio de Janeiro. O negócio, porém, não valia nada. A gestão financeira era uma catástrofe. Embora filas de clientes se formassem na porta do estabelecimento, o caixa estava sempre no vermelho. Parecia um paradoxo, algo contraditório, como exibir um Porsche na garagem mas não ter dinheiro para abastecê-lo. “O fato é que demoramos para entender a importância dos números”, afirma Ourivio. “Tínhamos a ilusão de que a parte gerencial era a mais relevante dos negócios.”
spoleto-historiaIsso, hoje, mudou. Depois de falências em série, Ourivio e Chady, amigos desde a adolescência, entendem à perfeição o sentido dos números – e eles são impressionantes. A dupla criou o Grupo Trigo, com três redes de franquias, todas líderes nos segmentos em que atuam. São elas o fast-food de culinária italiana Spoleto, a pizzaria Domino’s e o Koni, de comida japonesa. Dessa última categoria gastronômica fazem parte o delivery Gokoni, adquirido pelos empresários no início deste ano, e o requintado Gurumê, aberto em outubro de 2014, no Rio.
Ao todo, as bandeiras somam 583 lojas, espalhadas pelo Brasil, México e Costa Rica. Em março, o Spoleto, carro-chefe do grupo, deu um novo e importante passo. Teve a sua primeira unidade aberta em Orlando, nos Estados Unidos. Até o ano que vem, estão prometidas entre oito e dez unidades do restaurante na Flórida. Se forem bem, elas alcançarão outros estados americanos, como o Texas e a Carolina do Norte. A empresa cresce em média 20% ao ano. De 2011 para cá, dobrou o faturamento. Fechou 2014 com R$ 882 milhões em receitas e deve atingir R$ 1 bilhão até dezembro. De 2013 para 2014, o Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) aumentou 42%.
O sonho americano
A entrada do Spoleto nos Estados Unidos é a concretização de um sonho antigo. “Sempre acreditamos que ninguém é melhor do que ninguém”, diz Ourivio. “Se as marcas americanas vêm para o Brasil, por que não poderíamos ir para lá?” É claro que existem centenas de bons motivos para isso. Esqueceram, no entanto, de avisar aos dois amigos cariocas.
Foi em 2008 que eles tentaram pela primeira vez se fixar em solo americano. Chady desembarcou em Boston com um plano de expansão debaixo do braço e o apresentou a um líder de um grande banco local. O executivo estrangeiro ouviu a explanação e, ao final, endossou a estratégia. Concordou, inclusive, em ajudar a financiá-la. Mas, de repente, mudou o rumo da conversa. Surpreendeu Chady ao mencionar uma cidade brasileira de 100 mil habitantes, localizada em Santa Catarina: “Você sabe qual é o PIB per capita do município de Tubarão?”, questionou o banqueiro. Chady não tinha ideia, mas entendeu o recado: o financista, delicadamente, queria lhe mostrar que ainda havia muito espaço para ocupar no Brasil. Ourivio e Chady, então, arquivaram a ideia da investida americana.
Em 2013, ela ressurgiu. Foi despertada de supetão por John Velasquez, um executivo da Domino’s, que pertence ao Grupo Trigo, nascido nos Estados Unidos. Em uma tacada só, ele propôs aos chefes que 1) o Spoleto entrasse em seu país, 2) que ele fosse o responsável pela operação e 3) que se tornasse sócio do negócio. “Nós nos conhecíamos havia sete anos e trabalhávamos bem juntos”, diz Ourivio. “Topamos e ali se formou a parceria ideal.” O momento também era convidativo. A economia americana voltava a crescer, mas os preços de aluguel dos imóveis, em um rescaldo do estouro da bolha de 2008, continuavam baixos, o que facilitava a instalação da marca.
A popular Spoleto ganhou, em Orlando (EUA), uma versão mais sofisticada. Virou fast-casual, um modelo que mistura o preço baixo do fast-food a um atendimento com mais qualidade, embora sem garçons. Por que eles não adotam o mesmo formato por aqui?
Um novo nicho
Enquanto no Brasil o Spoleto é uma rede popular, a versão americana compete em um novo nicho, chamado de fast-casual. Trata-se de um segmento que fica entre o fast-food (pelos preços baixos) e o restaurante convencional (pelo atendimento com qualidade, embora sem garçons). A principal representante desse modelo por lá é a rede Chipotle, de culinária mexicana. No Brasil, o fast-casual é pouco difundido. Os estabelecimentos que mais se aproximam dessa fórmula, embora tenham garçons, são o Applebee’s, o Outback e o Red Lobster.
O objetivo da dupla brasileira não é somente ingressar no mercado americano, mas liderá-lo. Um desafio considerável. E arriscado, mas quem acompanha a trajetória empreendedora dos sócios sabe que tomar risco não é problema para eles. Nem mesmo os fracassos em série (eles faliram seis empreendimentos) os intimidaram. Ao contrário. Quando tudo desabava, eles começaram a idealizar uma rede de culinária italiana, que unisse a rapidez do fast-food à qualidade dos produtos de um restaurante tradicional. Em 1999, Chady enxergou no modelo de franquias uma oportunidade. Sem fazer contas (mais uma vez), os dois amigos montaram um stand na feira da Associação Brasileira de Franchising. Durante o evento, o ainda inexistente Spoleto já tinha duas unidades vendidas. Dessa vez, a atitude não calculada deu certo.
Antonio Leite, CEO do braço de franquias do Grupo Trigo, no escritório da empresa, no Rio: “Mudamos a estrutura da companhia, e os gestores começaram a se sentir donos do negócio. Isso agiliza a tomada de decisões” (Foto: Eduardo Zappia)
Uma nova estrutura
Hoje, além de olhar os números com acuidade, Ourivio e Chady (que por segurança não se deixam fotografar) querem dar maior eficácia à organização. Em julho de 2014, dividiram o grupo em três unidades. A principal delas é a Trigo Franquias, que ganhou um CEO: Antonio Leite, ex-diretor de marketing e franchising da empresa. “Com a divisão, acentuamos entre os gestores um sentimento de donos do negócio”, afirma Leite. A unidade pela qual ele é responsável é formada pelas 552 lojas franqueadas das marcas Spoleto, Domino’s e Koni (as demais, 31 no total, são de propriedade dos fundadores).
A segunda vertente é a Trigo Suprimentos, composta por uma distribuidora e uma fábrica. A distribuidora concentra a compra dos ingredientes usados nas lojas, e a indústria (em Volta Redonda, no Rio de Janeiro) produz 42% dos insumos comprados pelas três redes. A terceira vertente é formada pelas filiais próprias, que incluem lojas das redes Spoleto, Domino’s e Koni, o delivery Gokoni e o restaurante Gurumê.
A nova estrutura da empresa – assim como os planos de expansão e boa parte do modelo de gestão – foi construída com a ajuda do Instituto Empreender Endeavor, uma organização que oferece suporte a negócios com alto potencial de crescimento. Foi o instituto que agendou o encontro com o presidente do banco americano, a quem Chady apresentou o plano de expansão, em 2008.
Entre os outros mentores do grupo estão Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, fundadores do 3G Capital e controladores das gigantes Anheuser-Busch InBev e Kraft Heinz. Desde 2003, quando se tornaram “empreendedores Endeavor”, os fundadores do Grupo Trigo se aproximaram do trio. “Até dois anos atrás, encontrávamos o Marcel Telles uma ou duas vezes por ano”, afirma Ourivio. “Discutíamos as questões da nossa empresa. Com isso, ele se tornou uma espécie de padrinho do nosso negócio.”
Os dois pilares da gestão do Trigo foram inspirados no 3G: formar pessoas e expandir constantemente. “Para não perder talentos, é preciso dar a oportunidade para que eles cresçam”, afirma Ourivio. “Para tornar isso possível, é preciso crescer sempre.”
Mario Chady e Eduardo Ourivio já não estão no dia a dia da companhia. Participam agora de um conselho consultivo e se dedicam a buscar novos negócios e fornecedores. Embora trabalhem a maior parte do tempo em casa, em aviões ou em hotéis, mantêm um escritório de 30 metros quadrados em cima de uma das lojas da Domino’s, no Rio. “É um lugar simples, de volta às bases”, diz Ourivio. “Para mantermos os pés no chão.” Até porque ainda há muito a ser conquistado. A cidade de Tubarão, onde o PIB per capita é de R$ 24 mil, por exemplo, ainda não tem nenhum Spoleto.
Fonte: Época Negócios

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