Brasileiras rodam o mundo para inspirar empreendedorismo feminino
Há cinco meses, a vida das brasileiras Fernanda Moura, de 42 anos, e Taciana Mello, de 47 anos, cabe inteira dentro uma mala, tamanho médio. Em julho, elas deixaram Berkeley, na Califórnia (Estados Unidos), rumo a uma expedição que vai passar por 25 países. A missão: colher histórias inspiradoras de mulheres empreendedoras pelo mundo. “Acreditamos que quanto maior a diversidade de culturas e personagens mostrados, maiores são chances de provocarmos empatia em outras mulheres para, quem sabe, também impulsioná-las também a abrir o próprio negócio”, diz Fernanda.
Com passagens por grandes consultorias (Fernanda trabalhou na Deloitte e Taciana foi da PwC, as brasileiras decidiram pela jornada, batizada de “The Girls on the Road”(Garotas na Estrada), depois de uma temporada nos Estados Unidos. “Percebemos que mesmo no Vale do Silício, reconhecido como um lugar inovador e que, supostamente, deveria estar aberto à diversidade, são poucas as mulheres à frente de seus próprios negócios”, diz Taciana. “Fomos estudar o tema e identificamos que a falta de modelos femininos de sucesso nos negócios contribui muito para essa realidade. No geral, as mulheres são pouco confiantes em relação à sua capacidade de empreender.”
Até agora, além dos Estados Unidos, a dupla já passou por Canadá, México, Japão, China, Coreia do Sul e Cingapura. De Kuala Lumpur, na Malásia, Fernanda e Taciana falaram à Época Negócios sobre alguns momentos da experiência. Confira os principais pontos da conversa.

Época Negócios: Do que se trata o The Girls on The Road? Qual o objetivo de vocês?
Fernanda e Taciana: Nosso maior objetivo é inspirar mulheres que queiram empreender. Percebemos que uma das maneiras de fazer isso é mostrando histórias de outras mulheres que já passaram pelos desafios iniciais de abrir um negócio e agora podem comemorar suas conquistas. Os obstáculos para ter uma empresa são inúmeros e muitos deles, claro, são comuns também aos homens – como a dificuldade de acessar capital, por exemplo. Mas, quando fomos estudar o tema, percebemos que um outro desafio aparece de forma mais evidente entre as mulheres: a falta de confiança. Várias pesquisas apontam que, no geral, as mulheres não se sentem capazes de fazer algo grandioso ou reclamam da falta de modelos para se inspirar. Ora, nós infelizmente, não temos dinheiro para sair financiando ideais de mulheres empreendedoras. Mas podemos dar nossa contribuição de outra forma – levando até elas os tais modelos de inspiração.
Época Negócios: Como surgiu a ideia para o projeto?
Fernanda e Taciana: Estávamos passando uma temporada nos Estados Unidos, no Vale do Silício, frequentando vários eventos de empreendedorismo. E percebemos que, mesmo lá, um dos lugares mais inovadores do mundo e, portanto, onde se espera ver mais diversidade, eram pouquíssimas as mulheres empreendedoras. Então, começamos a pesquisar o tema. Nos debruçamos principalmente sobre o Global Entrepreneurship Monitor (GEM) – pesquisa realizada pelas Nações Unidas, Banco Mundial e OCDE que mapeia a atividade empreendedora em 82 países – e o Female Enterprenourship Index (feito pelo GEDI). Ficamos impressionadas com a baixa participação feminina nos negócios no mundo todo. É sabido. Mas não deixa de surpreender (entre 2012 e 2015 os negócios fundados por mulheres tiveram crescimento de 7%, mas somente um terço dos empreendedores do mundo são mulheres/ pesquisas com a população apontam que o empreendedorismo ainda é tido como algo fundamentalmente masculino). Nós temos a impressão de que as coisas estão avançando. Mas é de forma muito lenta. Então, queríamos contribuir para acelerar esse movimento.

Época Negócios: Vocês estão na metade do roteiro, certo? O que ainda falta fazer?
Fernanda e Taciana: Começamos em julho fazendo os Estados Unidos. Fomos de uma costa à outra, saindo da Califórnia, com foco principalmente em Chicago, Nova York e Boston – três locais que oferecem as melhores condições para as mulheres empreenderem. Em Boston, principalmente, isso acontece porque elas conseguiram formar uma rede coesa, muito forte para se ajudar, trocando experiências, informações. Também fizemos entrevistas com representantes das Nações Unidas para o empreendedorismo feminino. Até agora, já passamos por Canadá, México, Japão, China, Coreia do Sul e Cingapura. Agora, (em 16 de novembro) vamos começar as entrevistas na Malásia e finalizar o sudeste asiático. Daqui, seguiremos para Austrália e Nova Zelândia, depois Brasil e Chile.
Época Negócios: Quais foram as principais percepções até agora?
Fernanda e Taciana: Notamos que a maioria dos negócios ainda é baseada em atividades consideradas femininas, como prestação de serviços na área de saúde, entretenimento. Mas é interessante que, mesmo nessas áreas, as mulheres estão comandando negócios inovadores – seja pelo uso de tecnologia ou pela forma de explorar mercados. As experiências variam muito de acordo com a região. Na Coreia do Sul, tem muitas mulheres envolvidas com as Fintechs (startups de serviços financeiros com base em novas tecnologias). Encontramos também casos bem-sucedidos de empreendedoras à frente de empresas que atuam com aluguel de máquinas pesadas (Canadá), inteligência artificial, biotecnologia e segurança da informação (Canadá, EUA e México). O interessante é que, independentemente do nível de desenvolvimento do país, todas tiveram de enfrentar desafios muito particulares para chegar onde estão.
Época Negócios: Alguma história chamou mais a atenção de vocês?
Fernanda e Taciana: No México, falamos com uma garota que hoje comanda com sucesso sua empresa de serviços de neurociência. Mas, antes disso, ela havia passado por uma experiência bem complicada na Hungria. Ela ajudou a fundar uma startup também ligada à neurociência, trabalhou duro durante dois anos no projeto e, quando ele vingou, ela simplesmente foi dispensada pelos sócios – todos homens. A gente explorou muito isso. Porque é importante entender como lidar com essas situações. Como levantar e sair por cima. Outra história que nos tocou foi de uma sul-coreana, que, mesmo brigando muito em casa para conseguir estudar inglês, só conseguiu frequentar as aulas quando pode sozinha pagar por seu curso. Os pais tinham condições de pagar por seus estudos, mas diziam que só iriam pagar pelos estudos do filho, o homem da família. O garoto não gostava de estudar, mas a garota sim. Só que não podia. Os pais diziam a ela que seria um desperdício estudar mais – afinal, o seu destino era casar e cuidar da casa, não precisava de inglês para isso.
Época Negócios: Pode-se argumentar que algumas situações também aconteceriam com homens, não? Vocês tiveram que encarar críticas ou enfrentaram alguma dificuldade em algum país?
Fernanda e Taciana: Levar porta na cara, passar por desafios, é comum no início para todos os empreendedores, independentemente do gênero. Mas as mulheres enfrentam mais dificuldades e não têm referências para se inspirar. Nossa ideia com esse projeto é apresentar histórias, sem rigor estatístico, mas que demonstrem como aspectos culturais impactaram essas mulheres e a forma com que elas empreendem. É um retrato que, esperamos, possa inspirar mais gente pelo mundo.

Época Negócios: Por que incentivar as mulheres a empreender é tão importante?
Fernanda e Taciana: Não se trata apenas de incentivar as mulheres a montar um negócio, mas de mostrar que elas são capazes de realizar seus sonhos. Em muitas das histórias percebemos que, independentemente do lugar, todas crescem ouvindo coisas que as levam a acreditar que elas nunca estão prontas, que não são capazes. Claro, isso acontece em maior ou menor intensidade de acordo com a cultura local ou a realidade familiar. E, claro, muitos homens dizem passar por isso também. Mas com as mulheres isso é muito presente. Elas contam que precisam sempre se esforçar mais, sempre provar mais capacidade para chegar a estágios importantes. Basicamente, queremos mostrar que elas não estão sozinhas. E que essa falta de confiança, que às vezes derruba a esperança de construir coisas, não acontece à toa. Ela existe porque crescemos num mundo em que as pessoas, em sua maioria, passam essa mensagem o tempo todo, mesmo sem perceber, mesmo que nos comentários mais sutis.
Época Negócios: Como selecionaram as mulheres e como definiram o roteiro?
Fernanda e Taciana: Não há rigor científico nas nossas escolhas. Elas foram baseadas principalmente na busca pela diversidade. Incluímos lugares considerados inovadores, como EUA, Austrália, Israel. Outro bloco em que o empreendedorismo é mais puxado pela necessidade de renda das mulheres, como acontece na África e em parte do sudeste Asiático. E também locais com as duas realidades e nos quais vêm se verificando alguma evolução, como México e Brasil. Para as personagens, fizemos muito pesquisa, conversamos com investidores, gente do mercado local.
Época Negócios: O que será feito com todo esse material?
Fernanda e Taciana: A ideia inicial é fazer um documentário. Mas há muitas possibilidades. Em 16 de fevereiro, chegaremos ao Brasil, onde vamos nos reunir com uma produtora para começar a organizar o material. Na página do projeto já colocamos algumas mensagens curtas das empreendedoras.
Época Negócios: E quem serão as brasileiras entrevistadas?
Fernanda e Taciana: Nós temos alguns nomes. Mas a lista ainda não está fechada. Sempre estamos abertas a novas sugestões. O plano é falar com 10 empreendedoras, pelo menos.
Época Negócios: De onde veio o dinheiro para a empreitada? Como vocês se financiam?
Fernanda e Taciana: Fizemos um crowdfunding para a compra do equipamento, que rendeu uns US$ 4 mil. E estabelecemos um orçamento de US$ 60 mil para as duas durante um ano de jornada. Na verdade, é o que temos disponível, com recursos próprios. Mas precisaremos levantar mais dinheiro para o projeto, para trabalhar todos o material da forma mais interessante quando a fase de apuração estiver finalizada. Vamos começar a prospectar empresas interessadas em participar.

Época Negócios: É um ritmo puxado. Em alguns momentos, vocês não cansam ou pensam em desistir?
Fernanda e Taciana: É bem puxado. Além do deslocamento, temos de fazer pesquisas, agendar as coisas com antecedência e fazer muitas entrevistas por semana. Mas tem que ser assim porque temos restrição de orçamento. Alugamos quartos no Airbnb e, no geral, escolhemos lugares econômicos para ficar. Cada uma carrega apenas uma mala média de roupas e uma mochila com o equipamento. E, sim, às vezes, dá vontade de parar um pouco, descansar. Mas como em todo grande projeto, esses momentos acontecem quando surge um obstáculo – ou a dificuldade de agendar um encontro, ou uma conversa que não foi assim tão bacana como esperávamos. Só que logo somos presenteadas com uma ótima história. E aí a gente se anima de novo. Na balança, os momentos bons são muito maiores que os ruins. E, quando consideramos o nosso próprio aprendizado com isso tudo, não tem porque querer desistir.
Fonte: Época Negócios